Luísa M. Lessa

Fantasma Colegial

Buscando compreender minhas motivações por trás de alguns temas recorrentes em obras recentes comecei pensando mais sobre a pintura Fantasma Colegial. Uma primeira pintura após muitos anos, feita completamente na base da intuição e sensação, sem grandes planejamentos. Procuro então, fazer o trabalho inverso, ler a mim e minha própria obra após produzi-la. Pernas cabeça e objetos voam num vácuo vermelho, pairando acima de sua perna abandonada, um amontoado de tinta se faz de sua alma.

A morte está presente, nos rompimentos corporais, na alma, no sangue, na menina fragmentada, a morte literal ou o simples deixar de ser quem se era, a morte de uma juventude, o fim do “eu” de ontem, um universo feminino adolescente que se esvai. Vemos ainda um inventario fechado por massinha com uma cama, um livro, uma escada e um baú. Gosto de pensá-los como símbolos de um enigma não resolvido, hieróglifos. Ou ainda como objetos que podem contar uma história por si só, partes de um conto perdido. Eles, assim, podem ser alguns dos tesouros da menina fantasma, itens preciosos por guardarem o seu segredo. Talvez a escada leve até seu quarto onde embaixo de sua cama, dentro de um baú está o livro que a amaldiçoa - aquele que a tornou fantasma, um que por ninguém pode ser lido. Ou ainda apenas o seu antigo diário, a única prova de sua vida juvenil, seus amores e aventuras.

Há, ainda, as mãos peludas. Os pelos das mãos que protegem (ou amaldiçoam) o castelo da colegial, me parecem uma entrada natural para o mundo do pesadelo, não um brutal, apenas um que incomoda, que exige uma explicação. Em um site que apresenta alguns significados para sonhos encontrei, para mãos cabeludas: “prepare-se para uma mudança domiciliar”. Estando, de fato, de mudança, penso que há um verdadeiro poder no pesadelo – e qualquer interpretação ou resposta apenas fortifica o enigma por trás dele.

Monstro que Come e Rema

Tomando o universo de conto de fadas também sempre presente no meu imaginário, penso que talvez somente enquanto nesse estado jovial os heróis e heroínas das obras poderiam alcançar os monstros que sempre os rodeiam. Em muitos contos, o mundo adulto é o limite da visão fantástica, é quando se perde a fé e a capacidade de ver o que há de inexplicável. Assim, os monstros se aproximam e é preciso muito mais que derrotá-los, vê-los enquanto ainda é possível. O envelhecer nesse universo tem algo de perda do enigma, da crença, do poder. Assim, é preciso fazer a arte mágica, realizar quase por acidente um feitiço, encontrar os monstros e seu mundo enquanto há tempo.

Nessa imagem, penso que tudo está prestes a se “monstrificar”, em uma divagação sobre o mundo particular e o externo, não há dicotomias, ambos podem ser desconhecidos e hostis. O Sol do mundo de dentro parece uma aranha, assim como o monstro do mundo de fora. Um pequeno objeto de plástico se dispõe como amuleto ou demônio e uma pequena igreja ao fundo pode ser local de salvação ou maldição – e a salvação não deixa de ser sinistra, só sendo necessária frente à danação. Os próprios monstros não são bons ou maus, em quaisquer que sejam há medo e desgraça, mas também poder, magia e crença.

Nesse caso, o monstro não precisa ser buscado, ele está visível em seu habitat e nos oferece espontaneamente, na esfera que segura, a visão do homem e seu mundo – o real centro desse enigma. O vemos como numa pequena bola de cristal (tal qual as bolotas que formam o mar) – profecia muito vaga que não concede muitas pistas, é necessário apenas remar e olhar, estar atento. Vejo esses mundos em conflitos como geradores de um certo convite a ação, um seguir em frente: dar mais uma garfada, mordida ou remada. Mais um passo em direção ao sonho ou pesadelo.

Go Sailor

Em meio a essa busca por símbolos, mensagens e significados secretos, como já dito, o enigma é para mim muito poderoso. Mas há ainda uma nova camada de sentimentos que se junta ao enigma, à sua onipresença e a incapacidade de resolução certeira – a paranoia. Se tanto se deseja uma mensagem fantástica, um convite para acreditar em algo maior e se ele pode estar em todos os lugares, fácil vêm o delírio do símbolo, o turvamento da razão. Se tudo é pista, mas todas as pistas são falsas, resta a loucura.



Destrua todos os Monstros

Essa atmosfera de sensibilidades se encaixa um pouco em um estado paranoia do capitalismo tardio, algo como uma constante sensação de fim de mundo e de distopia, de onipresença da propaganda - ser visto e controlado por olhos maus. É preciso transcender esse mundo, descobrir seus segredos e crimes e inventar um novo.